Como pesquisador da religião e, em especial, da religiosidade norteamaricana, estou acompanhando com atenção o desenrolar da crise envolvendo a pequena igreja da Flórida, liderada pelo pastor Terry Jones, que pretendia queimar no próximo sábado (11) exemplares do Alcorão.
A notícia ocorre ao mesmo tempo em que se discute à criação de um centro islâmico a apenas dois quarteirões do que foi o World Trade Center e que, segundo pesquisa realizada pelo instituto Marist, pelo menos 52% dos nova-iorquinos são contra o projeto.
Não é nosso objetivo fazer coro com os que defendem o Islamismo como religião suprema, mas também não devemos sair em defesa de grupos religiosos cristãos (ou supostamente "cristãos") que para impor suas crenças ridicularizam e intimidam outras confissões de fé. Não foi isso que Jesus nos ensinou. Ao comer com os publicanos e pecadores, Jesus demonstrou qual deve ser o tipo de relacionamento que devemos manter com os "outros".
Lembro-me que, até pouco tempo atrás, alguns dos nossos irmãos mais fervorosos travavam uma guerra "santa" contra tudo e contra todos que (em sua ótica "pentecostal") desrespeitavam seus usos e costumes. Passados alguns anos, parece que a visão estereotipa de alguns aloprados "pregadores" das praças está dando lugar a uma nova visão de evangelismo, menos demonizadora mas, porém, com maior ênfase em prosperidade e "cura" espiritual e carnal. Pouco mudou!
A guerra aos livros
Depois de igrejas, mesquitas e institutos, os livros são um dos que mais sofrem com o extremismo religioso. Ray Bradbury, um escritor e visionário americano dos anos 50 e autor de uma obra intitulada "Fahrenheit 451", revelou, em 1953, seu temor de que um dia os livros seriam proibidos por serem considerados uma ameaça ao sistema - algo semelhante acontece no longa "O Livro de Eli" em que um único exemplar da Bíblia é disputado pelos sobreviventes do mundo pós-nuclear.
Outro que compartilha de uma visão semelhante é o autor Fernando Baez, que no livro "História Universal da Destruição dos Livros", estabelece uma linha cronológica em que os livros passam por diversos períodos de perseguição e destruição. O autor revela, por exemplo, a perseguição movida pelo islamismo aos textos cristãos e a queima de títulos pela Igreja Católica durante a Inquisição.
Vejo algo semelhante entre o que pretende o pastor Jones com as investidas nazistas contra o judaísmo. No auge da Segunda Guerra Mundial milhares de cópias da Torá e de outros livros de autoria de judeus foram queimados em redutos nazistas na Alemanha. Por outro lado, em 2009 um grupo de judeus ortodoxos queimaram centenas de cópias do Novo Testamento que haviam sido distribuídos por missionários evangélicos. Segundo o jornal Israeli Maariv, inúmeros estudantes de escolas religiosas judaicas participaram da queima, que teve como líder o rabino Aharon.
O caso da pequena Igreja cristã Dove World Outreach Center, que desde o final de agosto tirou de Nova York parte da atenção mundial, representa um movimento à parte das igrejas cristãs americanas comprometidas com o Evangelho puro e simples.
O Islã é "do" demônio
O pastor Terry Jones é mesmo uma figura. Com seu bigode típico de um sulista e fã de carteirinha do filme Coração Valente, com Mel Gibson (do qual possui um pôster no escritório), Jones é conhecido por andar sempre com uma pistola na cintura. O Correio Braziliense lembra que o Rev. é o autor do slogan "O islã é do demônio" que virou o título do seu livro e que também aparece em canecas e camisetas comercializadas pela Igreja. Em agosto de 2009, a World Outreach Center virou notícia na região quando duas crianças foram à escola vestindo camisetas com a polêmica frase — e foram obrigadas a voltar para casa.
Tudo nos leva à crer que, por trás da propaganda do Rev. Terry, existe algo além do que uma "refutação" ao islamismo. De fato, sua pequena igreja de 50 membros ganhou mais notoriedade no mundo do que o projeto da construção de um centro islâmico em NY. Ainda segundo o Correio Braziliense, a igreja, localizada na pequena cidade de Gainesville, com apenas 114 mil habitantes, ficou cercada durante todo o dia por jornalistas, manifestantes e curiosos. Por telefone e e-mail, milhares de pessoas tentaram enviar mensagens ao pastor Jones. A resposta veio pelo site da igreja: “Entendo o porquê de vocês estarem com tanto ódio. (…) Mas é porque amamos muçulmanos, cristãos, ateus e todo o resto queremos que eles encontrem a verdade. Vocês vão encontrar essa verdade na Bíblia”, diz o texto.
Que dizer a respeito? A intolerância religiosa não deve ser permitida em momento algum, mesmo quando "atacados" por terroristas islâmicos ou por adeptos da seita Suprema do Japão. Devemos sempre, como cristãos sinceros e com amor no coração, demonstrar respeito e solidariedade para com os vivem às margens da sociedade. Devemos mostrar à verdade, mas não impô-la goela abaixo. Jesus nos chamou para transformar o mundo e não para destruí-lo. Chutar "santas" e incitar ódio contra qualquer que seja a confissão de fé não é coisa para convertido. Jesus foi enfático ao dizer:
"Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho vós também, por que está é a lei e os profetas". (Mt. 7.12)
Queremos o respeito dos hindus, dos muçulmanos, dos budistas, dos xintoístas, mas não respeitamos suas crenças, ofendemos seus líderes, quebramos suas imagens, queimamos seus livros etc. Os americanos choraram após o 11 de setembro, mas também sofreram os que perderam familiares vítimas das bombas atômicas de 1945, as vítimas da intervenção americana na Coreia, Vietnã, Afeganistão, Iraque e das diversas operações secretas da CIA nos países em desenvolvimento. Se queremos paz, temos de difundir a paz, e não o ódio. Jesus nos deu o exemplo. Agora, cabe a cada um de nós seguir o que é certo e honroso.
por Johnny T. Bernardo
do INPR Brasil
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