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Brasil em foco: Johnny Bernardo comenta sobre a religiosidade brasileira

Fundador do INPR Brasil e especialista em fenomenologia religiosa, o pesquisador Johnny Bernardo comenta nesta entrevista sobre a religiosidade brasileira e outros temas relacionados.

INPR Brasil - Existem estatísticas sobre o tema? Quantas seitas são contabilizadas no Brasil e como elas estão distribuídas geograficamente?


Johnny Bernardo - Tratando-se de Brasil, não existem dados específicos que revelem o número exato de seitas. Uma das nossas prioridades é, justamente, uma abordagem da história da religiosidade brasileira, o que inclui religiões nativas e estrangeiras em atividade no país. É preciso que se faça tal distinção para que possamos compreender a dinâmica da religiosidade nacional. Qualquer análise da religiosidade brasileira deve passar, obrigatoriamente, pela formação histórica e cultural do povo brasileiro. Somos o resultado do encontro de três raças - ameríndia, negra e branca. Do encontro dessas raças, surgiu o que chamamos por "religiosidade popular", com destaque para as religiões de possessão e o catolicismo popular.

A religiosidade brasileira seria marcada, durante todo o século XX e início do XXI, por seitas de origem norteamericana, orientais e, especialmente, as de origem nipônica. É a partir da adição de tais segmentos religiosos, somados aos grupos de origem brasileira, que a religiosidade nacional ganharia sua atual dimensão. Enquanto no sul as religiões mundiais possuem destaque especial, no sudeste (especialmente a partir de São Paulo) as de origem norteamericana e nipônicas crescem em ritmo acelerado. No nordeste e norte do Brasil a religiosidade popular e espírita são uma de suas marcas. No centro-oeste (especialmente nas regiões de Brasília e Alto Paraíso) o destaque recai sobre as comunidades alternativas inspiradas no movimento hippie.

INPR Brasil - Cite algumas seitas e suas crenças, por favor.

Johnny Bernardo - As Testemunhas de Jeová possuem algo em torno de 700 mil adeptos no Brasil e tem em sua doutrina crenças que fogem à ortodoxia cristã, como a negação da divindade de Cristo, divindade e personalidade do Espirito Santo, a existência do inferno, e a ressurreição dos mortos. Também é conhecida por sua campanha contra a doação de sangue e sua recusa do alistamento militar.

O mormonismo é outra seita de destaque nacional. Em seu cremos encontramos a ideia da existência de três deuses na divindade (triteísmo - doutrina contrária ao defendido pelo Cristianismo Bíblico, que afirma que existe apenas um Deus em três pessoas distintas e coeternas), a ideia de que Deus-Pai viveu na terra como homem e que um dia nós também alcançaremos à divindade, a crença no livro de Mórmon como um "outro testamento de Jesus Cristo". Outras doutrinas e práticas abandonadas pelo Mormonismo, mas que ainda consta de suas literaturas, como a poligamia e a cor negra como maldição imposta por Deus ao homem, são exemplos de que tipo de religião é a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

INPR Brasil - Como são originadas as seitas? Existe alguma relação entre nível socio-econômico do país / região e a criação de seitas?

Johnny Bernardo - Uma seita origina-se a partir de uma cisão interna por motivos diversos, como disputa política e discordância doutrinária. Com o passar do tempo a palavra seita ganhou um tom pejorativo, talvez pela ênfase dada pelo Catolicismo Romano durante o Período da Inquisição. No entanto, nem sempre foi assim. Flávio Josefo e demais escritores da antiguidade usavam a palavra hairesis unicamente com o sentido de "escola", "doutrina" ou "religião". Em termos jurídicos, uma seita é uma comunidade religiosa que não possui caráter jurídico; quando legalizada, deixa de ser seita religiosa e passa a ser reconhecida como religião. Há, certamente, uma relação entre o nível socioeconômico de uma região ou país com o surgimento de grupos sectários. Tal é o caso das seitas que oferecem cura divina e prosperidade. Com maior crescimento entre as camadas mais pobres, tais seitas se aproveitam da debilidade social e nível educacional para recrutar adeptos. Outras atuam nas camadas mais abastadas da sociedade.

INPR Brasil - Existem muitas seitas que se originam nas próprias igrejas evangélicas? Exemplos.

Johnny Bernardo - Certamente. Em recente matéria sobre o assunto, cujo título Onde o Protestantismo errou?, demonstrei que as principais seitas de origem norteamericana surgiram a partir de indivíduos que tinham algum tipo de contato com o Protestantismo. Como exemplo podemos citar as Testemunhas de Jeová, cujo fundador, Charles Taze Russell era de família presbiteriana. Há outros exemplos, como o caso de Joseph Smith (também de família presbiteriana, e cuja mulher, Emma Smith, frequentava a Igreja Metodista desde os sete anos de idade e que, em 1828, teria convencido Joseph a se associar aos metodistas - embora sua permanência no metodismo não tenha ido além de seis meses, segundo alguns pesquisadores), David Berg (ex-pastor da Igreja Discípulos de Cristo e fundador da seita Os Meninos de Deus, hoje chamada de "A Família Internacional"), Mary Baker Eddy (ex-membro da Igreja Congregacional Trintária e fundadora da Ciência Cristã) etc.



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Bart D. Ehrman e seu confronto com as Escrituras

Bart D. Ehrman é conhecido por suas criticas ferozes e ao mesmo tempo sem fundamento contra as Escrituras Sagradas. Ele é o autor do livro “O Que Jesus Disse? O Que Jesus não Disse?”, onde acusa os copistas de terem “adulterado” os ensinos de Cristo com acréscimos e mudanças no texto original. 

Segundo uma autobiografia do autor, mesmo após passar por uma rápida experiência de “conversão” e estudar nas duas mais conceituadas escolas americanas, o Moody Bilble Institute e o Wheaton, Bart apenas via suas criticas e suspeitas aumentarem cada vez mais com relação ao texto sagrado, até que chegou ao ceticismo completo.

“Em particular, como eu disse desde o princípio, comecei a ver o Novo Testamento como um livro demasiadamente humano. Eu sabia que o Novo Testamento, na forma que dispomos atualmente, era produto das mãos humanas, as mãos dos copistas que a transmitiram. Depois, comecei a ver que não era só o texto copiado pelos copistas que era demasiadamente humano, mas o próprio texto original. Isso se opunha abertamente a meu modo de considerar o texto no fim de minha adolescência, como um cristão renascido, convicto que a Bíblia era a Palavra de Deus e de que as próprias palavras bíblicas tinham vindo até nós por inspiração do Espírito Santo”. [1]

Como podemos, portanto, diante do que o próprio Bart afirma, dar credibilidade ao seu método de interpretação das Escrituras? Se a Bíblia não é a Infalível Palavra de Deus, Inspirada pelo Espírito Santo, então toda a cristandade estaria perdida; nada do que acreditamos hoje, como a vinda de Cristo, o arrebatamento da Igreja, as bodas do cordeiro, o milênio de paz e prosperidade existiria. Viveríamos uma verdadeira ilusão religiosa.

Os copistas e os primeiros manuscritos do Novo Testamento

Eu até posso concordar com Bart quando diz que um dos problemas com textos gregos antigos (o que incluiria os escritos cristãos primitivos, incluindo os do Novo Testamento) era que, quando copiados, não se fazia distinção de maiúsculas e minúsculas, além de não haver separação entre palavras. Agora, partir daí para uma negação explicita das Escrituras, é algo que não podemos concordar. Apesar de conhecer essa problemática textual, Bart parece caminhar por uma via contrária.

“Se as comunidades dos crentes obtinham cópias de vários livros em circulação, como adquiriam? E, o mais importante para o tema máximo de nossa pesquisa, como podemos (ou como poderiam eles) saber que as cópias obtidas eram exatas, que não tinham sido modificadas no processo de produção?”. [2]

Diferentemente do que argumenta ele, era natural, em uma época em que as Escrituras cresciam em ritmo acelerado, haver pequenos erros em sua reprodução. Até mesmo o livro de Bart esta sujeito aos erros dos “copistas modernos”, como vemos na seguinte declaração.

“Mesmo sendo um livro pequeno, teve ter sido um processo difícil copiá-lo letra por letra”. [3]

Ora, o que Bart quer dizer com a expressão “teve ter sido”? Naturalmente tal erro não pode ser atribuído ao autor, mas a algum tradutor mal intencionado. A pergunta é: deveríamos, a partir do que verificamos na passagem acima, duvidar da autoria humana de Bart? E o que dizer das Escrituras Sagradas? Seria a Bíblia, devido uns poucos erros de tradução, considerada uma obra contraditória? De origem puramente humana? É algo para se pensar.



Especialistas dos EUA discordam de Bart D. Ehrman


A leitura pública na antiguidade cristã

“Então, parece que temos uma situação paradoxal no cristianismo. Ele era uma religião do livro, com escritos de todos os tipos que se demonstravam como da mais alta importância para quase todos os aspectos da fé. Mesmo assim, a maioria das pessoas não sabiam ler esses escritos”. [4]

Uma vez que o próprio autor reconhece que havia muitos iletrados na Igreja Primitiva, que necessidade haveria da existência de várias cópias das Escrituras, quando a maioria não sabia ler? Ademais, sabemos que os livros do Novo Testamento eram lidos em voz alta, em comunidade, pelo dirigente local (Col. 4.16).

Ao que parece, não era costume de Paulo fazer várias cópias de uma mesma carta, mas sim uma única que deveria circular por várias igrejas. Não havia sistema de reprodução espontânea de documentos e, se fossem copiados, teriam de ser feitos a mão e requeria um longo período para seu preparo. Logo, seria um erro dizer que membros ilustres das comunidades atuavam como copistas amadores, quando sabemos que isso não é verdade. Atos 15. 22,23 é um bom exemplo do que estamos tentando provar.

“Então, pareceu bem aos apóstolos e presbíteros, com toda a igreja, tendo elegido homens dentre eles, enviá-los, juntamente com Paulo e Barnabé, a Antioquia: foram Judas, chamado Barsabás e Silas, homens notáveis entre os irmãos”.

“escrevendo, por meio deles: Os irmãos, tanto os apóstolos como os presbíteros, aos irmãos de entre os gentios em Antioquia, Síria e Cecília, saudações”.

Não havia, portanto, uma escolha aleatória de copistas na Igreja Primitiva; somente os mais notáveis entre os irmãos eram escolhidos para a tarefa de produção de documentos. Portanto, sou mais propenso a acreditar que se realmente houve uma “mudança” no texto original, tal teria acontecido muito tempo depois do terceiro século.

Onde estão as evidências

Bart D. Ehrman não é a principal autoridade em grego e Novo Testamento da atualidade. Antes dele, Kennedy S. Wuest – autor de Jóias do Novo Testamento Grego – é tido entre os especialistas como uma das “maiores autoridades na área”. Não encontramos nenhuma evidência em sua obra que conteste ou mesmo deixe transparecer qualquer dúvida com relação ao texto sagrado. Certamente ele não seria tolo ou mesmo conivente para esconder algo que seria interesse do povo de Deus. E ele não esta só. A maioria das autoridades na área não são tão radicais ao extremo como Bart – Bart é à exceção das exceções. Sinceramente não consigo entender como alguém que se diz ser a “maior autoridade em Bíblia do mundo”, dizer algo tão paranóico como o que se segue.

“De vez em quando, vejo um adesivo no qual se pode ler: Deus disse, eu acredito e esta resolvido. Meu comentário sempre é: e se Deus não tivesse dito? E se o livro que você toma por transmissor das palavras de Deus contiver só palavras humanas? E se a Bíblia não der uma resposta a toda prova para as questões dos tempos modernos – aborto, direito das mulheres, direito dos homossexuais, supremacia religiosa, democracia ocidental, e assim por diante? E se nós mesmos tivermos que descobrir como viver e como acreditar por nós mesmos, sem olhar para a Bíblia como um falso ídolo, ou um oráculo que nos dá uma linha de comunicação com o Todo-Poderoso? Há razões muito claras para pensar que, de fato, a Bíblia não é o tipo de guia infalível para nossas vidas: entre outras coisas, como venho adiantando, em muitos lugares, nós (como especialistas ou como leitores comuns) nem mesmo conhecemos o que as palavras originais da Bíblia realmente diziam”. [5]

A partir de quais evidências Bart pode afirmar, já que, segundo ele mesmo, as cópias originais do Novo Testamento não existem mais, que a Bíblia seria um livro de origem puramente humana? Logo, nem mesmo ele poderia fazer tal afirmação. Não é porque existem pequenos erros de tradução nas Escrituras, que a Bíblia deixou de ser inspirada. A Bíblia, ao contrário do que Bart possa afirmar, possui respostas para os mais variados assuntos e dilemas do homem moderno.

a) A questão do aborto

Embora a prática do aborto não seja mencionada especificamente nas Escrituras, a Bíblia é taxativa no que se refere à vida humana. “Não matarás” (Ex. 20.13). A palavra hebraica que foi traduzida por matar é rasah, que normalmente indica assassinato violento de um inimigo pessoal. Não obstante Israel não entendesse o sexto mandamento como uma proibição geral, dando assim legalidade a prática da guerra, a vida humana deve ser preservada desde o ventre materno. Em Gêneses 38. 8-10 encontramos algo muito próximo ao que estamos discutindo.

“Então, disse Judá a Onã: Possui a mulher de teu irmão, cumpre o levirato e suscita descendência a teu irmão”.

“Sabia, porém, Onã que o filho não seria tido por seu; e todas as vezes que possuía a mulher de seu irmão deixava o sêmen cair na terra, para não dar descendência a seu irmão”.

“Isso, porém, que fazia, era mau perante o Senhor, pelo que também a este fez morrer”.

É bem verdade que a questão aqui não é propriamente uma alusão ao aborto, mas algo próximo a ele. A lei do levirato estabelecia que, se um homem morresse sem ter filhos, o seu irmão ou parente próximo estaria obrigado a casar com a viúva. O primeiro filho dessa união era considerado filho e herdeiro do falecido (Rt. 4.5; Mc. 12.19-22). Onã, sabendo que o filho não seria tido por seu, deixava o sêmen cair no chão (lit. desperdiçava na terra, ou seja, interrompia a relação sexual para evitar uma possível gravidez). Ele não somente foi punido por Deus porque quebrou a lei do levirato, mas porque ao desperdiçar o sêmen na terra, estaria impedindo o nascimento de uma criança. Então Deus o puniu com a morte.

b) O direito da mulher

A mulher jamais é retratada na Bíblia como um “sexo inferior” ou “totalmente dependente do homem”. Em Gêneses 2.21-24 lemos:

“Então, o Senhor fez cair um sono pesado sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma de suas costelas e fechou o lugar com carne”.

“E a costela que o Senhor Deus tomara ao homem, transformou-o numa mulher e lhe trouxe”.

“E disse o homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada”.

“Por isso, deixa o homem pai e mãe e se una à sua mulher, tornando-se uma só carne”.

A mulher não foi criada para ser superior ou inferior ao homem, mas igual a ele. Em hebraico, as palavras traduzidas por varão e varoa têm pronuncias muito parecidas, pois provêm da mesma raiz. Essa semelhança quer destacar a unidade de natureza, a intima afinidade entre ambos os sexos e, portanto, a igualdade de direitos.

As mulheres desempenharam importantes funções tanto no Antigo como no Novo Testamento. Basta apenas citarmos Débora (Jz. 4.4), Ester (Et. 3.17,18), as mulheres que acompanhavam Jesus (Mc. 15.40,41), Priscila (At. 18.2,3), Estéfanes (I Cor. 15.16) etc.

c) O direito dos homossexuais

Como consequência de seu distanciamento da ortodoxia cristã, Bart tornou-se um entusiasta defensor da causa homossexual. Ao dizer que a Bíblia não possui respostas para algumas das questões modernas, ele esta dando a entender com isso que a Bíblia é um livro “antigo”, “desatualizada” e “totalmente impraticável hoje”. A Bíblia, apesar de ter sido escrita milhares de anos atrás, não poderia (como também não pode) compartilhar com condutas sexuais ilícitas. Ela condena o homossexualismo pelos seguintes motivos.

1) Atenta contra o padrão criado por Deus para geração de filhos que só podem vir à existência através de uma relação heterossexual (Gn. 1.27,28; 2.18, 23,24);

2) Deus chegou a destruir as cidades de Sodoma e Gomorra por praticas excessivamente pecaminosas, entre as quais o homossexualismo (Gn. 19.4-9);

3) Todas as vezes que a Bíblia menciona o homossexualismo sempre traz uma nota de reprovação sobre tal prática, chamando-a às vezes de “abominação” (Lv. 18.22; 20.13).

4) O apóstolo Paulo declara que o homossexualismo é algo contrário a natureza e fruto do distanciamento entre os homens e Deus. [6]

c) A supremacia religiosa

A questão da supremacia religiosa é algo pouco discutida nas Escrituras, mas encontramos algumas evidências no Novo Testamento. Tanto Jesus como Paulo condenaram de maneira enfática algumas das atitudes dos judeus. O Judaísmo, por ser uma religião instituída pelo próprio Deus, era muitas vezes mal interpretada pelos fariseus. A mais severa censura aos fariseus encontramos nas palavras de Jesus, em Mateus 23. Nesta passagem, Jesus condena as duras regras impostas pelos fariseus e escribas (_r. 4,13), o orgulho religioso (_r. 5-7), o falso proselitismo (v.15), a ênfase demasiadamente na lei (v.23) etc. A condenação para eles seria inevitável.

“Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?”. (v.37)

Paulo também teve que enfrentar esses falsos judeus. Eles acabaram por se converter ao cristianismo, mas continuavam a ser zelosos pelo templo, a circuncisão, os rituais e as festas anuais. Eram eles quem mais questionavam a autoridade apostólica de Paulo, por não ser ele um dos doze que conviveram com Jesus. Para eles Paulo tinha uma resposta assertiva.

“Paulo, apóstolo (não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos)”. (Gl. 1.1)

A ênfase que Paulo dá a origem de seu apostolado demonstra que o único que tem autoridade de constituir apóstolos é o Senhor Jesus. Além disso, ele teria visto o Senhor por quatro vezes (I Cor. 9.1; 15.8; II Cor. 4.6; Gl. 1.15,16).

Mateus e Lucas erraram

Não se contentando apenas em atribuir falha aos copistas, Bart acusa Mateus e Lucas de terem adulterado parte do Evangelho de Marcos.

“Por muito tempo os pesquisadores reconheceram que Marcos foi o primeiro Evangelho a ser escrito e que tanto Mateus como Lucas usaram a narrativa de Marcos como fonte para seus próprios relatos sobre Jesus (...) É surpreendente ver que tanto Mateus como Lucas seguem Marcos quase palavra por palavra na suplica do leproso e na resposta de Jesus nos versículos 40-41. Então, qual é a palavra que eles usaram para descrever a reação de Jesus? Ele se deixou tomar pela compaixão ou pela raiva? Muito estranhamente, tanto Mateus como Lucas omitiram a palavra”. [7]

Que Mateus e Lucas basearam parte de suas pesquisas no Evangelho de Marcos, ninguém duvida. Entretanto, é preciso dizer que Mateus – ainda mais que Marcos – era quem mais estaria a par da vida de Jesus, uma vez que ele fazia parte do rol dos doze principais discípulos de Cristo. Lucas, embora não tenha sido uma testemunha ocular, revela uma grande preocupação em descrever aos detalhes “uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram” (Lc. 2.1) O Evangelho de Marcos não foi a principal fonte utilizada por Lucas em suas pesquisas – ele se baseou em diversas outras fontes (Lc. 1.2) Ademais, tanto Mateus como Lucas descrevem fatos e ensinos de Jesus que não encontramos no Evangelho de Marcos. Por exemplo, Marcos registra dezoito milagres de Jesus, mas apenas quatro de suas parábolas. Apenas Mateus e Lucas apresentam uma genealogia completa de Jesus Cristo, enquanto Marcos se quer faz referência ao nascimento de Jesus. Portanto, é praticamente impossível afirmar que Mateus e Lucas basearam suas pesquisas inteiramente debruçados sobre o Evangelho de Marcos.

Marcos e um Jesus irado

“Mesmo no relato que estamos analisando, afora o problema textual do versículo 41, Jesus não trata o pobre leproso com luvas de pelica. Depois de curá-lo, ele o exorta severamente e o despede. Essas são as traduções literais dos termos originais em grego, geralmente edulcorados pelas traduções. São termos duros, usados em outros pontos de Marcos sempre em contextos de violento confronto e agressão (por exemplo, quando Jesus expulsa demônios). É difícil compreender porque Jesus trataria tão rispidamente essa pessoa e a expulsaria de diante de si se sentia compaixão por ela. Se estivesse sentido raiva, a coisa faria mais sentido”. [8]

Até que ponto Bart quer chegar? Além de negar as Escrituras como a Infalível Palavra de Deus, o autor parece querer transformar Jesus em um louco obsessivo. É realmente difícil entender que Jesus teria demonstrado “raiva” diante de uma situação de enfermidade, quando um dos postulados básicos de sua missão era dar “liberdade aos cativos” tanto física como espiritual. Em hipótese alguma Jesus teria sido rude ou mesmo severo ao advertir aquele rapaz; Ele apenas demonstrou ser enfático. Se em Marcos 1.41 Jesus demonstrou “compaixão” por aquele pobre rapaz, como poderia ter sentido raiva? Uma vez que a maioria dos manuscritos antigos fazem referência ao amor de Jesus, por que seria diferente no relato de Mateus e Lucas? Portanto, eles não mencionam o suposto “surto” de Cristo, porque ele realmente não aconteceu.

O verbo se fez carne

Contrariando a maioria dos manuscritos do Novo Testamento, Bart acusa os copistas de terem adicionado ao Evangelho de João os versículos 1-14 do prólogo (introdução), uma vez que às suas características literárias seriam diferentes do restante do Evangelho.

“O tantas vezes celebrado poema fala do verbo de Deus, que existia com Deus desde o princípio e sempre foi Deus e se fez carne em Jesus Cristo. A passagem foi vazada em um estilo de alto teor poético que não se encontra no resto do Evangelho; além disso, à medida que os temas centrais são repetidos no resto da narrativa, Jesus é retratado durante a narrativa como aquele que veio do alto, mas nunca é chamado de o verbo em outra passagem do mesmo evangelho (...) Todos os nossos manuscritos gregos contêm as passagens em questão. Dessa forma, a Critica Textual reconstruiu aquilo que originalmente eles continham”. [9]

Como diz o pastor Natanael Rinald: quem entende semelhante barafunda? Se os nossos manuscritos gregos contêm todas as passagens em questão, por que deveríamos duvidar da autenticidade do logos de João? Seria possível reconstruir algo que originalmente fazia parte do texto? Grande parte das ideias de Bart sobre o logos foram tomadas de Harnarck (nascido em 1851). Vejamos o que diz a Teologia Sistemática de Strong.

“Harnarck data Mateus de 70-75; Lucas de 70-79; o quarto evangelho de 80-110. Ele não considerava o quarto evangelho e o Apocalipse como obras do apóstolo João, mas de João, o presbítero. Faz uma separação entre o quarto evangelho e o seu prólogo e considera este como prefácio adicionado após a composição original a fim de capacitar o leitor helenista a entendê-lo. ‘O próprio evangelho’, diz Harnarck, não contêm nenhuma ideia de logos; ele não se desenvolveu a partir de uma ideia do logos, como floresceu em Alexandria (...) O quarto evangelho, que não procede do apóstolo João e não tem essa pretensão, não pode ser empregado como fonte histórica no sentido comum da palavra”. [10]

Como o próprio Strong refutaria mais tarde, não precisamos atribuir ao Evangelho de João origem mais tardia, a fim de dar conta de sua doutrina do logos, nem precisamos atribuir uma origem mais tardia aos sinóticos, para dar conta da doutrina de um Messias sofredor. A doutrina do logos pode ser ainda confirmada a partir de dois outros testemunhos.

a) “Se a doutrina joanina do logos fosse proposta na primeira metade do segundo século, teria imediatamente garantido a rejeição daquele evangelho pelos gnósticos, que atribuíam a criação, não ao logos, mas aos sucessivos ‘eons’. Como os gnósticos, sem hesitação, vieram a aceitar como genuíno aquilo que na sua época tinha surgido nas igrejas? Conquanto Basíledes (130) e Valentino (150), que eram gnósticos, citam o quarto evangelho, não discutem sua genuinidade nem sugerem que fosse de origem recente, prova sua autenticidade.” [11]

b) F. W. Farrar, comenta sobre Hebreus 1.2. “A palavra eon foi empregada mais tarde pelos gnósticos para descrever as várias emanações pelas quais eles tentavam ao mesmo tempo ampliar e estabelecer sua ponte sobre o abismo entre o humano e o divino. Sobre essa lacuna imaginária, João lançou a arca da encarnação ao escrever: ‘O verbo se fez carne’ (Jo. 1.14). Um documento que contraria tanto os ensinos gnósticos não podia, no segundo século, ter sido citado por eles sem discutir a sua genuinidade se não tivesse sido há muito reconhecido nas igrejas como obra do apóstolo João.” [12]

Os pagãos e os textos das Escrituras

Segundo Bart D. Ehrman, para reafirmar a divindade de Cristo e oferecer uma resposta bíblica aos pagãos, os copistas teriam modificado algumas passagens aparentemente contraditórias nos evangelhos (aquelas que, segundo, ele, eram usadas pelo pagão Celso para ridicularizar os cristãos e seu líder Jesus).

a) O leproso rejeitado

“Embora eu nada tenha dito na ocasião, já vimos um texto que parece ter sido modificado pelos copistas com preocupações apologéticas. Como vimos no capítulo cinco, Marcos 1.41 indicava originalmente que quando Jesus foi abordado por um leproso que queria ser curado, ele ficou com raiva (...) Os copistas acharam duro demais atribuir a Jesus a emoção de ira nesse contexto. Por isso modificaram o texto, fazendo-o dizer que Jesus sentiu ‘compaixão’ pelo homem. É provável que os copistas tenham sido influenciados a mudar o texto por algo mais que o simples desejo de torná-lo mais fácil de entender (...) Nessa época, era crença defendida entre os pagãos que os deuses não eram sujeitos a emoções e a caprichos de meros mortais”. [13]

Como já dissemos em tratado anterior, não há nenhuma evidência (interna ou externa) que prove que Jesus sentiu “raiva” ao ser abordado pelo leproso, uma vez que todo o contexto de Marcos demonstra o amor e a compaixão de Jesus para com os enfermos e necessitados. Por que os copistas modificariam um texto aparentemente favorável ao amor de Jesus, e se esqueceriam de passagens como João 2.13-22, onde a indignação de Jesus se manifestou de maneira mais enfática? Por que eles não substituíram o “chicotinho” de Jesus por algo menos ofensivo, como luvas de pelica? Não seria uma resposta mais adequada aos pagãos? Se eles queriam fazer transparecer uma figura mais amorosa de Jesus, por que escolheriam justamente um relato de cura? Não pareceria irrazoável?

Os argumentos de Bart são baseados em suposições e não em fatos reais. Não há nenhum fundamento histórico, por exemplo, para a tese que os “deuses pagãos não eram sujeitos a emoções e paixões de meros mortais”. Primeiro, porque eles nem se quer existiram; segundo, porque a própria mitologia grega prova o contrário.

“O céu (Urano) e a Terra (Gaia) surgiram do nada. De sua união, nasceram os titãs, os ciclopes e os gigantes. O Titã mais jovem, Cromos, destituiu o pai e, para que não fosse ele próprio destituído, passou a devorar os filhos, os deuses. Sua esposa, Ria, para salvar Zeus, substituiu-o por uma pedra e o escondeu numa caverna. Quando cresceu, Zeus obrigou o pai a devolver os filhos comidos. Com a ajuda deles, encarcerou Cromos no inferno. A seguir, guerreou contra os gigantes. Prometeu, filho de um titã, criou os homens e deu-lhe o fogo, que roubou de Zeus. Zeus o acorrentou no alto do Cáucaso, onde um abutre lhe devorava todos os dias o fígado, que renascia a noite. Hércules libertou-o do suplicio, matando o abutre. A primeira mulher, Pandora, não resistiu a curiosidade e abriu a caixa de todos os males. Para castigar os homens, Zeus mandou o dilúvio. Desse modo, deuses e homens eram, em essência, muito semelhantes”. [14]

b) O Carpinteiro

“E diziam, em sua perplexidade: Não é esse o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simeão, e suas irmãs não estão aqui conosco? Como, indignavam-se eles, alguém que cresceu como um de nós, cuja família nós conhecemos, é capaz de fazer essas coisas? Essa é a única passagem do Novo Testamento em que Jesus é chamado de carpinteiro (...) Como alguém com essa posição social poderia ser chamado Filho de Deus? Essa era uma questão que os adversários pagãos do cristianismo levavam muito a sério. De fato, eles entendiam a questão como retórica: óbvio que Jesus não podia ser um Filho de Deus se fosse um simples TEKTÔN. Particularmente o crítico Celso zombava muito dos cristãos nesse ponto...” [15]

Para nós pouco importa saber se Jesus foi ou não um carpinteiro. A questão aqui é em que sentido semelhante condição social afetaria sua divindade. Novamente parecenos estranho que um copista alteraria o sentido de Mateus 13.55, e nada faria com relação ao texto de Marcos 6.3. Uma vez que a divindade de Cristo pareceria ser algo patente para eles, não se entende porque alguém modificaria um texto que poderia ser usado contra eles mesmos, quando o mais sensato seria preservar o texto original.

Não é preciso fazer uma completa descrição da vida de Cristo para saber que a sua vinda ao mundo não se deu de acordo com os parâmetros humanos. Zacarias 9.9 revela justamente isso. Jesus não veio ao mundo como um “Messias político”, que libertaria Israel de seus inimigos e governaria a partir de Jerusalém, mas como um simples servo de Jeová, filho de carpinteiro e igual a nós. É o que Jesus tinha em mente quando disse:

“O meu Reino não é deste mundo; se o meu Reino fosse deste mundo, lutariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas, agora, o meu Reino é daqui”. (Jo. 18.36).

Referências Bibliográficas

1. EHRMAN, B.D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Rio de Janeiro – RJ: Escala págs. 220,221.

2. Ibidem, pág. 207.

3. Id. Ibidem, págs. 58.

4. Ibidem, págs. 51,52

5. Ibidem, págs. 23,24.

6. BATISTA, P.S. Manual de Respostas Bíblicas, São Paulo – SP: Betesda, pág. 207.

7. EHRMAN, B.D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Rio de Janeiro – RJ: Escala págs. Ibidem, págs. 145, 146.

8. Ibidem, pág. 147.

9. Id. Ibidem, pág. 71.

10. Teologia Sistemática de Strong, Hagnos, págs. 246-247

11. Ibidem, pág. 242

12. Id. Ibidem, pág. 242

13. EHRMAN, B.D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Rio de Janeiro – RJ: Escala págs. 210,211.

14. JOBSON, J.A. e PILETTI, N. Toda a História, Ática, pág. 50.

15. EHRMAN, B.D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? Rio de Janeiro – RJ: Escala págs. Ibidem, págs.212.


Johnny Bernardo

é pesquisador, jornalista, escritor, colaborador da revista Apologética Cristã, do jornal norteamericano The Christian Post, do NAPEC (Núcleo Apologético Cristão de Pesquisas), palestrante e fundador do INPR Brasil (Instituto de Pesquisas Religiosas). Há mais de dez anos se dedica ao estudo de religiões, seitas e heresias, sendo um dos campos de atuação a religiosidade brasileira e seitas do mal.

É também o autor da matéria "Igreja Dividida, as fragmentações do catolicismo romano", publicada no final de 2010 pela revista Apologética Cristã. Assina também a coluna Giro da Fé da referida revista.


Contato 


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