A liberdade religiosa somente passou a ser uma realidade no Brasil com a Constituição de 1891, quando o Estado passa a ser laico – sem uma religião oficial – e garante-se liberdade de expressão religiosa às demais igrejas cristãs e grupos minoritários. No entanto, entre os anos de 1824 e 1891 – portanto, durante um período de 67 anos – a Igreja Católica Apostólica Romana era a única religião reconhecida pela então monarquia ou império brasileiro. Em 1824, mas desde antes com o Tratado de Comércio e Navegação, firmado em 1810, entre Portugal e Inglaterra, houve uma breve concessão de liberdade de expressão religiosa concedida inicialmente a comerciantes e navegadores britânicos de confissão anglicana, estendendo-se, posteriormente, aos demais ramos do Protestantismo Histórico (de Imigração e de Conversão).
Apesar da abertura estabelecida com a Constituição de 1824, as igrejas protestantes não podiam ter aparência externa de templo, seus membros não podiam se casar nem registrar filhos, as crianças eram descriminadas nas escolas, além de serem impedidos de participar da vida política do Brasil Monárquico. Também havia um problema com relação ao sepultamento de protestantes. Como até 1850 não existiam cemitérios no Brasil e os mortos, geralmente, eram sepultados sob o piso ou nas paredes das igrejas e conventos católicos, aos protestantes e demais religiosos restavam apenas terrenos baldios ou terras de suas comunidades como um dos poucos locais para enterro de seus mortos. Somente em 1859, em um terreno doado pela Marquesa de Santos, situado na atual Rua Sergipe, 177, em Higienópolis, São Paulo, foi construído o Cemitério dos Protestantes, local que passou a ser utilizado também por judeus.
As dificuldades enfrentadas pelos protestantes no Brasil Monárquico refletem, em parte, todo um contexto mundial de restrições e perseguições às religiões minoritárias ou não oficiais, como a exemplo do que ocorre em alguns países islâmicos e de regime comunista. A liberdade religiosa é um direito que tem sido solapado nos últimos anos e que merece, portanto, uma maior atenção por parte de pesquisadores sociais e autoridades jurídicas. Apesar das inúmeras violações do direito de liberdade religiosa – algumas das quais mencionadas no mês de março pelo relator especial da ONU sobre a liberdade religiosa ou crença, Heiner Bielefeldt, por ocasião de uma reunião no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, Suíça – a questão da liberdade religiosa tem de ser repensada pelo o fato de que algumas religiões tem se utilizado da liberdade para manipular adeptos, com exploração psicológica e financeira, além do uso da mão de obra crente com finalidades comerciais, como o verificado na Igreja da Unificação, fundada em 1954, na Coreia do Sul.
As igrejas neopentecostais, das quais a Universal do Reino de Deus é um dos principais exemplos, tem feito uso recorrente de técnicas de controle psicológico para arrecadação de fundos financeiros para a “manutenção” de seus programas televisivos e expansão ministerial. O Jejum de Daniel serve de base para a argumentação de que a IURD exerce, de maneira significativa, um controle psicológico sobre seus adeptos. Durante 21 dias os fieis são orientados a não assistir televisão, ler jornais, revistas ou outros periódicos que não sejam ligados aos discursos de Edir Macedo, com o argumento de que eles precisam concentrar sua fé em Deus, não podendo desviar sua atenção para qualquer outro tipo de informação.
Na Igreja Pentecostal Deus é Amor o método utilizado é o da submissão por meio de regras e costumes que ferem frontalmente alguns dos direitos fundamentais do ser humano, como o da higiene, do acesso às informações, da participação em atividades físicas e intelectuais, da livre associação com ex-membros ou adeptos etc. As restrições impostas são vistas como meios de controle psicológico uma vez que, sob o manto do fanatismo, a tendência é de que os membros sejam mais susceptíveis à manipulação. De acordo com Sidnei Moura que, por 15 anos, congregou na IPDA, os “fieis acabam seguindo as imposições da igreja principalmente por coerção, que é aplicada através da exposição ao medo: constantemente são bombardeados pelos sermões recheados de discursos de medo da condenação eterna”.
Os problemas verificados em algumas denominações “evangélicas” não são casos isolados, mas ocorrem em diversos outras organizações religiosas onde a capacidade de raciocínio de seus adeptos é reprogramada de maneira que eles obedeçam aos ditames de seus lideres ou profetas. Há problemas relacionados, por exemplo, com algumas comunidades religiosas de caráter sincretista, como a Comunidade Figueira, localizada na área rural de Carmo de Cachoeira, sul de Minas Gerais, onde os adeptos são mantidos isolados do mundo externo, sendo proibidos de terem acesso a celulares, internet, televisores, rádios e até mesmo máquinas fotográficas. Há, inclusive, restrições de que os residentes mantenham contato entre si, além de que as ordens de José Hipólito Trigueirinho Netto devem ser respeitadas de forma inquestionável. João Batista Barbosa, o Zumbaia, que durante alguns anos residiu em Figueira é categórico em sua descrição da comunidade: “Lá, tudo converge para um esquecimento total de si e da vida normal, transformando as pessoas em robôs obedientes e úteis. Sempre fui pelos Direitos Humanos e não me adaptei a situação. Sentindo várias formas de pressões psicológicas (não podendo assistir ao casamento de meu filho, o que desobedeci). Tentaram impedir-me de várias formas e passei muita perturbação psicológica”.
Além de questões associadas à manipulação psicológica de adeptos, há de se ressaltar, também, outros problemas relacionados às religiões de possessão que, em nome de sua tradição religiosa, sacrificam animais de forma cruel e com objetivos não alimentícios. O candomblé é um dos ramos das religiões de possessão que tem como base o sacrifício de animais. Apesar do art. 30, da Constituição Federal de 1988, deixar a cargo dos municípios legislarem em questões de interesse local, o sacrifício de animais em rituais religiosos é uma afronta aos direitos universais dos animais. Em dezembro de 2010, o Projeto de Lei 202/2010, aprovado por unanimidade quatro meses antes pela Câmara Municipal de Piracicaba, no interior de São Paulo, que proibia o sacrifício de animais em rituais religiosos, foi vetado pelo prefeito Barjas Negri, com base no art. 5º, inciso VI da Constituição Federal, que estabelece que é “inviolável a liberdade de consciência de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção dos locais de culto e suas liturgias”. Não obstante o veto promulgado pelo prefeito de Piracicaba e mantido pela Câmara Municipal, golpear, ferir, mutilar e cometer atos de crueldade contra animais são práticas condenáveis pela Lei de Crimes Ambientais 9605/98, art. 32, que estabelece detenção de três meses a um ano, e multa, aos que “praticarem de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
A liberdade religiosa é um direito universal que deve ser respeitado. No entanto, o livre exercício de culto religioso é um direito reconhecido enquanto não for contrário à ordem, à tranquilidade e sossego públicos, bem como compatível com os bons costumes. A maneira como as igrejas neopentecostais e outras mais arrecadam fundos para a “manutenção” de suas estruturas, o isolamento psicológico e social de adeptos praticado por algumas comunidades sincréticas em Minas Gerais e nos arredores de Brasília, o sacrifício de animais em terreiros de candomblé, além do incentivo de agressão a mulheres são aspectos que precisam de um tratamento especial por parte das autoridades competentes. Em janeiro, a divulgação de um vídeo em que um líder muçulmano brasileiro ensina como bater em mulheres, causou uma série de comentários em vários meios de comunicação por todo o país, nos quais se questiona quais os limites da liberdade religiosa na sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo, tem-se de analisar até que ponto o Estado pode interferir em questões internas de organizações religiosas, como a proibição do uso da burca na França e limitações impostas pela FUNAI a missionários evangélicos.
Johnny Bernardo
é pesquisador, jornalista, escritor, colaborador da revista Apologética Cristã, do jornal norteamericano The Christian Post, do NAPEC (Núcleo Apologético Cristão de Pesquisas), palestrante e fundador do INPR Brasil (Instituto de Pesquisas Religiosas). Há mais de dez anos dedica-se ao estudo de religiões e crenças, sendo um dos campos de atuação a religiosidade brasileira e movimentos destrutivos.
É também o autor da matéria “Igreja Dividida, as fragmentações do Catolicismo Romano”, publicada no final de 2010 pela Revista Apologética Cristã (M.A.S Editora). Assina também a coluna Giro da Fé da referida revista.
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