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A fé adaptada ao meio

Trazidos da África para substituírem os índios no trabalho de mão de obra escrava, os negros que aqui chegaram tiveram de se adaptar à religião dos senhores escravistas, temerosos pelas constantes punições decorrentes do Tribunal da Inquisição. Em todo o país, mas particularmente na Bahia, os negros adoradores dos orixás se viram obrigados a adaptarem suas crenças e nomenclaturas às crenças e santos católicos. O sincretismo religioso foi a saída encontrada para a manutenção de suas comunidades e devoção religiosa – cada um dos 16 orixás cultuados pelos africanos de origem iorubá ganharam correspondentes no Catolicismo Romano. Dessa forma, Ogum, tido como orixá guerreiro, é associado a São Jorge, e Iansã, deusa dos ventos, a Santa Bárbara.

Tal sincretismo religioso – já antes verificável nos primórdios da Igreja Católica, em Roma e a partir de 385 d.C.– se deu no campo das crenças, da transposição de liturgias e de ídolos pagãos. Atualmente, no entanto, um novo tipo de transposição vem ocorrendo particularmente nos países de maioria cristã. A busca por aceitação social, comodidade, compatibilidade etc. vem norteando o surgimento de novas igrejas (inclusivas?) e tendências dentro de denominações protestantes e também católicas. São praticamente os mesmos objetivos dos negros africanos e dos pagãos europeus do período da conversão compulsiva, mas com uma variante: o foco hoje é o adaptar da fé a um estilo de vida, de opção sexual e de consumo. A ordem natural – pregada pela maioria das igrejas cristãs – é de que o meio tem de se adaptar a fé e não o inverso.

Vivemos um período de pós-modernidade, de contestação ao modelo tradicional de família, de conduta social. Progressistas e outros mais sugerem um novo modelo de sociedade, caracterizada por uma crescente liberalidade sexual, de opinião e quebra de outros valores tidos como fundamentais da humanidade. Há uma preocupação, contextualizada pela eleição do novo papa, quanto à preservação dos valores morais e a integração dos grupos sociais ao sagrado. O homossexualismo é um dos focos de preocupação, por conta da tentativa de aceitabilidade social. Para tal aceitabilidade social – acreditam alguns grupos de homossexuais -, o casamento cível, a adoção de crianças e o desenvolvimento de uma prática religiosa qualquer são elementos vitais. Há, portanto, uma tentativa de enquadramento da sociedade ao seu estilo de vida.

Neste contexto, a religião também deve ser adaptada, mesmo com uns poucos arranjos doutrinários. As igrejas inclusivas – das quais a Igreja da Comunidade Metropolitana, a Igreja Cristã Contemporânea e a Comunidade Cristã Refúgio destacam-se no cenário religioso brasileiro – propõem a inserção de homossexuais no universo evangélico, citando a Bíblia como “favorável” ao homossexualismo. A tentativa de adaptação da fé ao meio é nítida com a publicação, por Gladstone, do livro A Bíblia sem preconceito. Fundador da Igreja Cristã Metropolitana (2006), o carioca Marcos Gladstone acredita ser o homossexualismo uma prática natural e diz ter como principal objetivo auxiliar homossexuais vitimas de preconceito em igrejas evangélicas.

Embora diferente, a adaptação da fé ao meio é uma prática cada vez mais comum em igrejas neopentecostais, a exemplo da Igreja Universal, da Renascer em Cristo, da Bola de Neve e da Sara Nossa Terra. Se na Igreja Universal há uma tentativa de adaptação da fé ao estilo de vida consumista de seus fieis, na Renascer, na Bola de Neve e na Sara Nossa Terra há uma estratégia no sentido de acomodação de seus membros, com a reencenação do estilo de vida secular. Dessa maneira, o púlpito ganha a forma de uma prancha de surfe, a igreja é usada como pista de dança, de lutas de MMA e disputas de skate. Há uma tentativa de adaptação da fé ao meio, uma espécie de contextualização da mensagem bíblica com foco em grupos específicos, como surfistas, skatistas, fankeiros etc. A estratégia é vista com preocupação por outras denominações evangélicas, que veem no modelo uma distorção da liturgia bíblica e uma superficialidade da vivência cristã.


Johnny Bernardo

é pesquisador, jornalista, escritor, colaborador da revista Apologética Cristã, do jornal norteamericano The Christian Post, do NAPEC (Núcleo Apologético Cristão de Pesquisas), palestrante e fundador do INPR Brasil (Instituto de Pesquisas Religiosas). Há mais de dez anos dedica-se ao estudo de religiões e crenças, sendo um dos campos de atuação a religiosidade brasileira e movimentos destrutivos.

É também o autor da matéria “Igreja Dividida, as fragmentações do Catolicismo Romano”, publicada no final de 2010 pela Revista Apologética Cristã (M.A.S Editora). Assina também a coluna Giro da Fé da referida revista.


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